29 de janeiro de 2011

Inteligências...


Transformemos em Sol a estrela que está dentro de nós
Jacir J. Venturi

Quanta riqueza há dentro de nós e que nos é desconhecida! A saga intelectual do povo grego nos relata uma fábula que traz ensinamentos preciosos.

Os deuses do Olimpo estavam muito preocupados com a evolução do homem. Ele estava desenvolvendo-se tanto pelo uso de sua inteligência que, em breve, alcançaria os imortais deuses. O tonitruante e todo-poderoso Zeus, senhor dos deuses e do mundo, vociferou: "Vamos reagir! Vamos esconder do homem o seu talento, e ele jamais nos alcançará!”.
Mas onde esconder o talento do homem? Posseidon, deus dos mares, sugeriu nas profundezas dos oceanos. Apolo, deus da luz, no topo do Himalaia. Demeter, deusa da terra, nas areias movediças do Saara. Hefesto, deus do fogo, nos magmas vulcânicos do Vesúvio. Ares, deus da guerra, nos desfiladeiros das Termópilas.
Impávido e altaneiro, o poderoso Zeus levanta-se do trono e dá o veredicto: "Nada disso! O melhor esconderijo do homem é o interior do próprio homem. Ele jamais há de procurar o talento que está dentro de si”.
Essa fábula enaltece a busca do autoconhecimento: as potencialidades, dons, virtudes e valores que em tantos de nós jazem latentes, escondidos.

Howard Gardner, professor e psicólogo da Universidade de Harvard, em 1987 tornou pública a teoria das sete inteligências múltiplas. Hoje são nove: lógico-matemática, linguístico-verbal, musical, espacial, corpóreo-cinestésica, interpessoal, intrapessoal, naturalista e existencial.
Gardner admite duas premissas, que são complementares: 1.ª) uma parte de cada tipo de inteligência é concedida como herança biológica; e 2.ª) as habilidades do ser humano são “como um cristal multifacetado, e tal qual pode e deve ser polido”.
O peso atribuído à genética na formação de uma pessoa talentosa varia muito entre os neurocientistas e psicólogos: de 30% a 70%. No entanto, há um consenso: as nossas potencialidades só serão desenvolvidas com muitos estímulos, determinação, disciplina pessoal e transpiração. No caminho que leva aos píncaros do reconhecimento popular, poucos são os bancos com sombra.

“A gente é para brilhar. Brilhar com brilho eterno” — faz-se oportuno o grande poeta soviético Vladimir Maiakovski (1893-1930). Um gênio em termos de inteligência linguístico-verbal, mas péssimo nos relacionamentos humanos (inteligência interpessoal): vaidoso, intempestivo, crítico cáustico e alcoólatra (“Prefiro morrer de vodca a morrer de tédio.”). Imprevisível, concluiu seu famoso poema “A Plenos Pulmões” e suicidou-se com um tiro no peito.

Uma poeta paranaense foi muito desenvolvida não só na inteligência linguístico-verbal, mas também na interpessoal e intrapessoal, pois era afável, carismática e abnegada com as pessoas. À saudosa Helena Kolody (1912-2003) credita-se a citação final, quando se escreve sobre talentos: “Deus dá a todos uma estrela. Uns fazem da estrela um Sol. Outros nem conseguem vê-la”.

*****

26 de janeiro de 2011

"No princípio era o verbo..."



As funções da linguagem

A linguagem - a fala humana - é uma inesgotável riqueza de múltiplos valores. A linguagem é inseparável do homem e segue-o em todos os seus atos. A linguagem é o instrumento graças ao qual o homem modela o seu pensamento, seus sentimentos,suas emoções,seus esforços, sua vontade e seus atos, o instrumento graças ao qual ele influencia e é influenciado, a base última e mais profunda da sociedade humana. Mas é também o recurso último e indispensável do homem, seu refúgio nas horas solitárias em que o espírito luta com a existência, e quando o conflito se resolve no monólogo do poeta e na meditação do pensador.
Antes mesmo do primeiro despertar de nossa consciência, as palavras já ressoavam à nossa volta, prontas para envolver os primeiros germes frágeis de nosso pensamento e a nos acompanhar inseparavelmente através da vida, desde as mais humildes ocupações da vida quotidiana aos momentos mais sublimes e mais íntimos dos quais a vida de todos os dias retira, graças às lembranças encarnadas pela linguagem, força e calor. A linguagem não é um simples acompanhante, mas sim um fio profundamente tecido na trama do pensamento; para o indivíduo, ele é o tesouro da memória e a consciência vigilante transmitida de pais para filho. Para o bem e para o mal,  a fala é a marca da personalidade, da terra natal e da nação, o título de nobreza da humanidade.

25 de janeiro de 2011

Nostalgia...


Meus Oito Anos¹

Oh ! que saudades que eu tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais !

Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais !

Como são belos os dias
Do despontar da existência !
- Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;

O mar é – lago sereno,
O céu – um manto azulado,
O mundo – um sonho dourado,
A vida – um hino d’amor !

Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar !
O céu bordado d’estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar !

Oh ! dias de minha infância !
Oh ! meu céu de primavera !
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã !
Em vez de mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã !

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
De camisa aberta ao peito,
- Pés descalços, braços nus -
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis !

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo,
E despertava a cantar !

Oh ! que saudades que eu tenho
Da aurora da minha vida
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais !
- Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais !

Casimiro de Abreu
Este é o livro original, “As Primaveras”, publicado em 1859.


[1] Singela homenagem ao meu caro Éder Ossoski (pessoa que escolheu a imagem do post),  e ao professor Marcelo, pessoas que simplesmente amam esse poema!

24 de janeiro de 2011

Pessoa(s)...


Sou Eu

Sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo,
Espécie de acessório ou sobressalente próprio,
Arredores irregulares da minha emoção sincera,
Sou eu aqui em mim, sou eu.

Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou.
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim.

E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco inconsequente,
Como de um sonho formado sobre realidades mistas,
De me ter deixado, a mim, num banco de carro elétrico,
Para ser encontrado pelo acaso de quem se lhe ir sentar em cima.

E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco longínqua,
Como de um sonho que se quer lembrar na penumbra a que se acorda,
De haver melhor em mim do que eu.

Sim, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco dolorosa,
Como de um acordar sem sonhos para um dia de muitos credores,
De haver falhado tudo como tropeçar no capacho,
De haver embrulhado tudo como a mala sem as escovas,
De haver substituído qualquer coisa a mim algures na vida.

Baste! É a impressão um tanto ou quanto metafísica,
Como o sol pela última vez sobre a janela da casa a abandonar,
De que mais vale ser criança que querer compreender o mundo —
A impressão de pão com manteiga e brinquedos
De um grande sossego sem Jardins de Prosérpina,
De uma boa-vontade para com a vida encostada de testa à janela,
Num ver chover com som lá fora
E não as lágrimas mortas de custar a engolir.

Baste, sim baste! Sou eu mesmo, o trocado,
O emissário sem carta nem credenciais,
O palhaço sem riso, o bobo com o grande fato de outro,
A quem tinem as campainhas da cabeça
Como chocalhos pequenos de uma servidão em cima.

Sou eu mesmo, a charada sincopada
Que ninguém da roda decifra nos serões de província.

Sou eu mesmo, que remédio! ...

Álvaro de Campos

22 de janeiro de 2011

Gratidão...

 "Quem não sabe agradecer, não sabe receber, e muito menos, pedir" 
    
Oração de Gratidão*  - Amélia Rodrigues 

Muito obrigado Senhor!
Pelo que me deste e pelo que me dás. 
Muito obrigado pelo ar, pelo pão, pela paz 
Muito obrigado pela beleza que meus olhos vem notar da natureza 
Olhos que fitam o céu, a terra e o mar 
Que acompanham a ave ligeira que corre fagueira pelo céu de anil,

e se detém na terra verde  salpicada de flores em tonalidades mil   
Muito obrigado senhor porque eu posso ver meu amor 
Mas diante de minha visão 
Eu detecto cegos que tropeçam na escuridão 
Que andam na multidão 
E que choram na solidão 
Por eles eu oro e a ti eu imploro comiseração 
Porque eu sei 
Que depois dessa lida na outra vida eles também enxergarão
   
Muito obrigado pelos ouvidos meus 
Que me foram dados por Deus 
Ouvidos que ouvem o tamborilar da chuva no telheiro 
A melodia do vento nos ramos do salgueiro 
As lágrimas que vertem os olhos do mundo inteiro 
Ouvidos que ouvem a música do povo que desce do morro na praça a cantar 
A melodia dos imortais, que a gente ouve uma vez e não esquece nunca mais 
A voz melodiosa, canora, melancólica do boiadeiro 
E a dor que geme e que chora no coração do mundo inteiro 
Pela minha faculdade de ouvir, pelos surdos eu te quero pedir 
Porque eu sei  que depois dessa dor, no teu reino de amor, voltarão a ouvir

Muito obrigado pela minha voz 
Mas também pela sua voz 
A voz que canta 
Que alfabetiza, que ilumina 
Que solfeja uma canção 
Que legisla 
Pela voz, que emite a melodia de sua própria voz 
Mas diante de minha melodia 
Eu detecto na Terra os que sofrem de afasia 
Eles não cantam de noite eles não falam de dia 
Oro por eles porque eu sei, que depois desta prova,

na vida nova eles cantarão 
Obrigado pelas minhas mãos 
Mas também pelas mãos que aram 
Que semeiam 
Mãos que agasalham 
Mãos de ternura 
Mãos que libertam da amargura 
Mãos que apertam mãos 
Mãos dos adeuses 
De caridade e de solidariedade 
Mãos que escrevem poesias 
Mãos de cirurgia 
Mãos de sinfonia 
Mãos de psicografia 
Pelas mãos que atendem a velhice 
A dor 
O desamor 
Pelas mãos que no seio embalam o corpo de um filho alheio sem receio 
 
E pelos pés que me levam a andar, sem reclamar 
Muito obrigado senhor, porque eu posso caminhar 
Mas diante do meu corpo perfeito 
Eu olho na Terra 
E encontro 
Paralisados, maltratados, amputados, marcados, deformados 
Eu oro por eles  porque eu sei, que depois desta expiação 
Na outra reencarnação, eles também bailarão  
Obrigado por fim, pelo meu Lar 
É tão maravilhoso ter um lar 
Não é importante se esse Lar é uma mansão, ou
um bangalô, Seja lá o que for 
Mas que dentro dele, exista a figura do amor 
O amor de mãe, ou de pai 
De mulher ou de marido 
De filho ou de irmão 
A presença de um amigo 
Alguém que nos dê a mão 
Pelo menos a companhia de um cão 
Porque é muito doloroso viver na solidão 
Mas se eu a ninguém tiver para me amar 
Nem um teto para me agasalhar, nem uma cama para me deitar

Nem aí reclamarei 
Pelo contrário, eu cantarei 
Obrigado senhor porque eu nasci 
Muito obrigado porque eu creio em ti 
Pelo teu amor, obrigado senhor! 

*Ninguém melhor que Divaldo Franco "canta" esse belo poema: http://www.youtube.com/watch?v=OO4ro-0VSD0

21 de janeiro de 2011

Sorte do dia...



PANELATERAPIA - Blog de Culinária, Gastronomia e Receitas: Resultado do Sorteio Copa e Cia: "E quem vai levar esse KIT luxo que a Copa e Cia nos ofereceu para sortear é: Géssica: já lhe enviei um e-mail solicitando seus dad..."


Isso sim, foi sorte! Sim, porque nas horas vagas sou dona de casa e cozinheira, com muito orgulho, com muito amor! E claro, leitora assídua do PANELATERAPIA, valeu Tati! **SO HAPPY** Sou chique benhê ;)

17 de janeiro de 2011

Limonada do dia...


Um meio ou uma desculpa?

Não conheço ninguém que conseguiu realizar seu sonho, sem sacrificar feriados e domingos pelo menos uma centena de vezes. Da mesma forma, se você quiser construir uma relação amiga com seus filhos, terá que se dedicar a isso, superar o cansaço, arrumar tempo para ficar com eles, deixar de lado o orgulho e o comodismo. Se quiser um casamento gratificante, terá que investir tempo, energia e sentimentos nesse objetivo.

O sucesso é construído à noite! Durante o dia você faz o que todos fazem. Mas, para obter um resultado diferente da maioria, você tem que fazer algo especial. Se fizer igual a todo mundo, obterá os mesmos resultados. Não se compare à maioria. Se você quiser atingir uma meta especial, terá que estudar no horário em que os outros estão tomando chopp com batatas fritas.Terá de planejar, enquanto os outros permanecem à frente da televisão.Terá de trabalhar enquanto os outros tomam sol à beira da piscina.

A realização de um sonho depende de dedicação. Há muita gente que espera que o sonho se realize por mágica, mas toda mágica é ilusão, e a ilusão não tira ninguém de onde está.

Quem quer fazer alguma coisa, encontra um meio. Quem não quer fazer nada, encontra uma desculpa.

Atribuem a autoria desse texto ao Roberto Shinyashiki.
(adaptado)

15 de janeiro de 2011

Dream on...

 Sonhar

Sonhar é transportar-se em asas de ouro e aço
Aos páramos azuis da luz e da harmonia;
É ambicionar o céu; é dominar o espaço,
Num vôo poderoso e audaz da fantasia.


Fugir ao mundo vil, tão vil que, sem cansaço,
Engana, e menospreza, e zomba, e calunia;
Encastelar-se, enfim, no deslumbrante paço
De um sonho puro e bom, de paz e de alegria.

É ver no lago um mar, nas nuvens um castelo,
Na luz de um pirilampo um sol pequeno e belo;
É alçar, constantemente, o olhar ao céu profundo.

Sonhar é ter um grande ideal na inglória lida:
Tão grande que não cabe inteiro nesta vida,
Tão puro que não vive em plagas deste mundo.

Helena Kolody

Do oral ao varal...


  
 HISTÓRIA DO CORDEL¹ 
J. Borges

O cordel veio da Europa
No Brasil se enraizou
Na região do nordeste
Ele se edificou
E na continuação 
Muitos poetas formou

Durante o século passado
O cordel atuou forte
Serviu como diversão
Informou de Sul a Norte
Dando notícia alegre
E até notícia de morte

Ensinou o povo a ler
Era a diversão mais quente
Pelos sítios e fazendas
Se via em todo ambiente
Um bom leitor de cordel
Cercado por muita gente

Mesmo uma história triste
O cordel muda de figura
Parece verdade pura
E muita gente aplaude e ama
A esta literatura 
 
Hoje é aproveitada
Em muitos empreendimentos
E serve como propaganda
Pra firmas em andamentos
E muito usada também
Pra anúncio de casamento

Foi criado no atraso
Pela rima e pela prática
Enfrentou rádio e TV
E a ciência automática
Computador, celular
Internet e informática


Resiste a todas as mudanças
Que a ciência oferece
O cordel é sempre forte
E bem vivo permanece
Informando na linguagem
Que o Nordeste conhece.

¹Texto extraído de uma agenda de 2010 da CEF e adaptado.
 

Para saber um pouco mais sobre a Literatura de Cordel: 
http://www.cordelon.hpg.ig.com.br/que_cordel.htm
http://culturanordestina.blogspot.com/2007/09/proseando-sobre-cordel.html

13 de janeiro de 2011

Limonada do dia...


Para nunca mais chorar...

Passava do meio-dia, o cheiro de pão quente invadia aquela rua, um sol escaldante convidava a todos para um refresco...
Ricardinho não aguentou o cheiro bom do pão e falou:
- Pai, tô com fome!
O pai, seu Agenor, sem ter um tostão no bolso, caminhando desde muito cedo em busca de um trabalho, olha com os olhos marejados para o filho, e pede mais um pouco de paciência...
- Mas pai, desde ontem não comemos nada, eu tô com muita fome, pai!
envergonhado, triste e humilhado em seu coração de pai, seu Agenor pede para o filho aguardar na calçada enquanto entra na padaria a sua frente.
Ao entrar, dirige-se a um senhor no balcão:
- Meu Senhor, estou com meu filho de apenas 6 anos aí na porta com muita fome, não tenho nenhum tostão, pois saí cedo para buscar um emprego e nada encontrei. Eu lhe peço que, em nome de Jesus, me forneça um pão para que eu possa matar a fome desse menino. Em troca, posso varrer o chão de seu estabelecimento, lavar os pratos e copos, ou outro serviço que o senhor precisar.
Seu Amaro, o dono da Padaria, estranha aquele homem de semblante calmo e sofrido, pedir comida em troca de trabalho e pede para que ele chame o filho.
Agenor pega o filho pela mão e apresenta-o ao seu Amaro que, imediatamente, pede que os dois sentem-se junto ao balcão, onde manda servir dois pratos de comida do famoso PF (prato feito) - arroz, feijão, bife e ovo.
Para Ricardinho, era um sonho comer após tantas horas na rua. Para Agenor, uma dor a mais, já que comer aquela comida maravilhosa lembrava-se da esposa e mais dois filhos que ficaram em casa apenas com um punhado de fubá. Grossas lágrimas desciam dos seus olhos já na primeira garfada.
A satisfação de ver seu filho devorando aquele prato simples, como se fosse um manjar dos deuses, e a lembrança de sua pequena família em casa, foi demais para seu coração tão cansado de mais de 2 anos de desemprego, humilhações e necessidades.
Seu Amaro se aproxima de Agenor e, percebendo a sua emoção, brinca para relaxar:
- Oh, Maria, sua comida deve tá muito ruim ! Olha, o meu amigo está até chorando de tristeza desse bife, será que é sola de sapato...?
Imediatamente, Agenor sorri e diz que nunca comeu comida tão apetitosa, e que agradecia a Deus por ter esse prazer. Seu Amaro pede, então, que ele sossegue seu coração, que almoçasse em paz e depois conversariam sobre trabalho.
Mais confiante, Agenor enxuga as lágrimas e começa a almoçar, já que sua fome estava nas costas. Após o almoço, seu Amaro convida o seu Agenor para uma conversa nos fundos da padaria, onde havia um pequeno escritório.
Agenor conta então que há mais de 2 anos havia perdido o emprego e desde então, sem uma especialidade profissional, sem estudos, ele estava vivendo de pequenos "biscates" aqui e acolá, mas que há 2 meses não recebia nada. Seu Amaro resolve então, contratar o Agenor para serviços gerais na padaria e, penalizado, faz para o homem uma cesta básica com alimentos para pelo menos 15 dias.
Agenor, com lágrimas nos olhos, agradece a confiança daquele homem e marca para o dia seguinte seu início no trabalho. Ao chegar em casa com toda aquela "fartura", Agenor é um novo homem: sentia esperanças, sentia que sua vida iria tomar novo impulso....
Deus estava lhe abrindo mais do que uma porta, era toda uma esperança de dias melhores. No dia seguinte, às 5h da manhã, Agenor estava na porta da padaria, ansioso para iniciar seu novo trabalho... seu Amaro chega logo em seguida e sorri para aquele homem, que nem ele sabia porque estava ajudando.
Tinham a mesma idade, 32 anos, e histórias diferentes, mas algo dentro dele chamava-o para ajudar aquela pessoa. E ele não se enganou: durante um ano, Agenor foi o mais dedicado trabalhador daquele estabelecimento, sempre honesto e extremamente zeloso com seus deveres.
Um dia, seu Amaro chama o Agenor para uma conversa e fala da escola que abriu vagas para a alfabetização de adultos, um quarteirão acima da padaria e que ele fazia questão que Agenor fosse estudar.
Agenor até hoje não consegue esquecer o primeiro dia de aula: a mão trêmula nas primeiras letras e a emoção da primeira carta... Doze anos se passaram desde aquele primeiro dia de aula. Vamos encontrar o Dr. Agenor Baptista de Medeiros, hoje advogado, abrindo seu escritório para seu cliente e depois outro, e depois mais outro...
Ao meio dia, ele desce para um café na padaria do amigo Amaro, que fica impressionado em ver o "antigo funcionário", tão elegante em seu primeiro terno...
Mais dez anos se passam e, agora o Dr. Agenor Baptista, já conta com uma clientela que mistura os mais necessitados - que não podem pagar - e os mais abastados, que o pagam muito bem. Resolve criar uma Instituição que oferece aos desvalidos da sorte, que andam pelas ruas, pessoas desempregadas e carentes de todos os tipos, um prato de comida, diariamente, na hora do almoço.
Mais de 200 refeições são servidas diariamente naquele lugar, que é administrado por aquele seu filho, que agora é o nutricionista Ricardo Baptista. Tudo mudou, tudo passou, mas a amizade daqueles dois homens, seu Amaro e seu Agenor, impressionava a todos que conheciam um pouco da história de cada um.
Contam que aos 82 anos os dois faleceram no mesmo dia, quase que a mesma hora, morrendo placidamente com um sorriso de dever cumprido.

Ricardinho, o filho, mandou gravar na frente da "Casa do Caminho", que seu pai fundou com tanto carinho:

Um dia eu tive fome e você me alimentou.
Um dia eu estava sem esperanças, e você me deu um caminho.
Um dia, acordei sozinho e você me deu Deus e, isso, não tem preço.
Que Deus habite em seu coração e alimente sua alma...
E que te sobre o pão da misericórdia para estender a quem precisar.


Dizem que a história é verídica, desconheço a autoria, mas é um belíssimo exemplo do efeito borboleta positivo na vida das pessoas! Adoro histórinhas....hehehe

3 de janeiro de 2011

Coragem e poesia...


DAS PEDRAS

Ajuntei todas as pedras
que vieram sobre mim.
Levantei uma escada muito alta
e no alto subi.
Teci um tapete floreado
e no sonho me perdi.

Uma estrada,
um leito,
uma casa,
um companheiro.
Tudo de pedra.

Entre pedras
cresceu a minha poesia.
Minha vida...
Quebrando pedras
e plantando flores.

Entre pedras que me esmagavam
Levantei a pedra rude
dos meus versos.

Cora Coralina - Meu Livro de Cordel, p.13, 8°ed., 1998

2 de janeiro de 2011

Não tem como não amar...


Aninha e suas pedras

Não te deixes destruir...
Ajuntando novas pedras e construindo novos poemas.

Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces.
Recomeça.

Faz de tua vida mesquinha um poema.
E viverás no coração dos jovens e na memória das gerações que hão de vir.

Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas e não entraves seu uso aos que têm sede.

In: Vinténs de cobre: meias confissões de Aninha, 1983.